Entrevista feita por www.punknet.com.br
>>> Pra começar, queria que vocês contassem um pouco da história do grupo.
Rafael – O Flicts começou em 95. Eu tocava na época no colégio com o meu amigo, o Ferrucio. A gente era socialista, vermelhaço e descendente de italiano. Daí resolveu dar o nome de Rosa Felicitá, que é felicidade vermelha em italiano. Quando entrou meu irmão, ainda tinha esse nome e a gente começou a fazer algumas músicas. Algumas até acabaram no disco novo, como “Autogestão”. Mas a banda não tinha uma cara, um perfil. Daí a gente gravou a primeira demo, “Matando a Pau” e o Ferrucio decidiu sair e entrou o Renato. O Renato era meu amigo de infância e a gente sempre ia na casa dele e acabava lendo o livro do Ziraldo, que chamava Flicts. Isso foi em 97 mais ou menos. E as letras não tinham mais um caráter tão socialista assim, era mais anarquista. Daí a gente resolveu trocar de nome. E tocava só em festa de amigo. Tocamos até no aniversário do Renato. Daí começamos a dar um perfil (pra banda) e as músicas que tinham uma levada melódica a gente abandonou.
Arthur – A gente já jogou um monte de música fora.
>>> E depois dessa mudança de nome vocês gravaram outra demo, certo?
Rafael –Em 98 a gente gravou a segunda demo.Prensamos umas 300 fitinhas e vendemos algumas na galeria.
Arthur – o (jornalista) Antonio Bivar também ouviu e ajudou fazendo propaganda boca-a-boca
Rafael – Mas a gente não sabia que ele tava fazendo propaganda...A maioria (das fitas) a gente acabou dando. Daí tocamos no primeiro Skema 110 no Hangar.
Arthur – Foi com o Underboyz, que na época chamava Querosene, e o Corroídos pelo Sistema, que agora é Fullheart.
Rafael - A gente não ganhou. Quem ganhou foi o Corroídos. Mas o Marco (dono do Hangar) gostou da gente e daí quando teve o show do Cólera no final de 99 ele chamou a gente pra abrir e tocamos com o Blind Pigs e o Mukeka di Rato. Tinham sobrado 100 fitas e a gente fez uma promoção. Os primeiros 100 que entrassem ganhavam uma fita. A gente continuou fazendo show pra caramba, no interior de São Paulo e tudo, mas daí começou a dar problema com os horários do Daniel e ele resolveu sair da banda. Não sabíamos quem convidar e eu lembrei do Caio, que tocava nos Miseráveis, que tava parado. A primeira vez que eu encontrei o Caio foi quando a gente foi distribuir panfleto e tentar vender demo num show do Marky Ramone, na Broadway. Fui distribuir panfleto do Skema...Daí troquei uma demo do Flicts com uma demo dos Miseráveis e eu meio que conhecia ele, porque ele andava com a galera dos Excluídos
Caio – Eu conheci vocês e eles mais ou menos na mesma época
Rafael – Rolou uma amizade muito forte, porque em pouco tempo parecia que a amizade já era de muito tempo. Daí a gente chamou o Caio e era pra ser membro da banda e não quebra-galho....Se quisesse mudar a linha de baixo... é liberdade total. E ele é o melhor baixista que a gente já teve. Tá sempre no rolê com a gente, quando a gente sai ele tá sempre junto... é amigo mesmo. E acho que não tem como colocar um cara que não seja amigo. Banda tem que ter amizade junto.
>>> E cada um sugere o que tiver a fim?
Rafael – Todo mundo aqui tem sua profissão e a gente não é uma banda com a preocupação de estourar, de fazer sucesso. O importante é fazer aquilo que a gente gosta e passar a mensagem que a gente acha importante. Eu até acho legal a gente poder levar a vida financeiramente com outros empregos, porque de certa forma a banda fica mais pura. Não se tem a preocupação de ser sustentado pela banda, então a mensagem pode ser a que a gente quiser, a música pode ser do jeito que a gente quiser e foda-se.
>>> Essas bandas geração Hell-Cat, tipo Dropkick Murphy’s, Lars Frederiksen & The Bastards, Distilers…elas influenciam de alguma maneira o som do Flicts?
Rafael - Eu gosto dessas bandas, mas acho que o papel mais importante que elas cumprem é despertar a curiosidade do pessoal. Fazer a molecada correr atrás das bandas mais antigas. A gente ouve muita coisa diferente, mas na hora de tocar o lance é Punk mesmo.
Arthur - Pô, eu gosto muito de Hardcore, tipo Dead Kennedys, DOA, Black Flag, Bad Brains...
>>> E como saem as letras?
Arthur – Meu irmão faz mais as letras... Mas a gente sempre faz as letras em cima de uma melodia
Rafael – Ele vem com um riff de guitarra e aí a gente forma uma linha de vocal, faz um lálálá e aí eu vou fazendo a letra. Vou encaixando as palavras e falo de coisas que são importantes pra gente, como amizade e liberdade...Ou fala do que der na telha
>>> Existe alguma razão especial pra vocês terem feito “Motivo pra Lutar”.
Rafael – A letra é do Arthur, mas, do jeito que eu entendo a letra, acho que ela diz que às vezes, tendo banda e fazendo parte desse tipo de coisa, você vê tanta merda, tanto cara te sabotando que fica cansado e pensa em largar tudo... E a letra vai na contramão disso, que sempre vai existir um motivo pra continuar insistindo... Eu gosto de entender a letra desse jeito.
Arthur – é mais ou menos isso, mas não é referente ao punk... Serve pra tudo...
Rafael – é meio que atitude. A função da música na minha cabeça, não só no punk rock, é de alguma maneira te tocar e te dar ânimo e fôlego de novo.
>>> Você comentou da mudança de socialismo pra anarquismo. O que vocês se consideram hoje?
Rafael – A banda não sei o que é, mas eu sou anarquista
Caio – Eu sou anarquista
Arthur – Sou anarquista também
>>> Então vocês são anarquistas!
Rafael – O Flicts não é só anarquista, mas é também. Fala de outros assuntos, mas fala disso também.
Arthur – é uma coisa que eu acredito, sei que todo mundo fala que é utopia, mas as pessoas conseguem viver sem regras. Já vivem mais ou menos sem regras.... Você não precisa de tudo escrito, as pessoas meio que fazem as regras
Rafael – Claro que existe o anarquismo do século 19 e tudo mais, mas, na minha concepção, anarquismo hoje é muito mais a maneira pela qual você convive com as pessoas à sua volta... Isso é tão fundamental quanto você enfrentar autoridade policial, autoridade do Estado, de patrão, etc...
Caio – E é pela maneira como você se relaciona com as pessoas é que se torna capaz de fazer as mudanças e não esperar que alguém lá de cima faça... é a capacidade de conseguir fazer as coisas acontecerem ao seu redor
>>> Vocês apóiam algum partido político?
Rafael – Não, eu voto nulo desde 96
Arthur – Eu voto nulo desde que eu voto.
>>> Relacionar Punk e Anarquia é mais comum no Brasil do q no exterior?
Rafael - O Punk não precisa ser necessariamente anarquista. Entretanto, como no Brasil você tem muita pobreza, violência do estado contra o cidadão, o caráter anárquico aqui é mais forte e muito maior do que na Europa ou nos EUA. é natural até. O problema é que a repetição de chavões virou uma constante dentre os punks daqui. Pouca gente sabe realmente o que é anarquismo. Pouca gente leu alguma coisa de fato, apenas repete o que ouviu. Eu não acho que um anarquista precise ser especialista, mas precisa conhecer pelo menos a base do assunto. O Flicts fala sobre bastante anarquismo, mas fala sobre outras cosias também.
>>> Vocês se preocupam em como as pessoas vão entender as letras de vocês?
Rafael - Cada um se expressa do seu jeito, mas muitas vezes eles não interpretam do jeito que a gente queria que interpretassem. Acho que a pessoa tem que estar sempre reavaliando aquilo que pensa e suas ações o tempo inteiro, porque se não vira fundamentalismo.... E o punk, que é um movimento libertário, às vezes acaba sendo um movimento fechado porque os próprios punks não conseguem colocar a sua crença em questão. Não conseguem ter um debate sincero.
Se eu fizer uma música e alguém for lá e destruir um McDonalds, eu não sou responsável por isso. Cada um é responsável pelos seus próprios atos. Acho que a nossa função é colocar questões, é dar mais perguntas do que respostas.
>>> Ainda falando de letra, como surgiu a idéia de colocar a introdução da música “Lá se Vai o Campeonato”?
Arthur – A gente primeiro fez a música, depois alguém (o Rafael lembra que foi o Flávio) tinha aquilo gravado e a música tem tudo a ver, eu já tinha escutado e é igualzinho à história da música, não sei se é mentira…
Caio – Não, não é mentira. Na época, sei lá quando foi, esse negócio ficou superfamoso, o cara foi até no Raul Gil
Rafael – Quando a gente fez a música, ninguém pensou nesse jogo do Pato Branco, mas quando a música ficou pronta a gente falou ‘puta, casa direitinho vamô colocá’.
>>> é todo mundo são paulino na banda?
Rafael – O Arthur é palmeirense
Arthur – Futebol faz parte da nossa vida, eu gosto de assistir, de torcer, mas não dessa coisa doentia... de se matar por causa de time
Rafael – O punk brasileiro quase nunca fala de futebol e quando fala é de uma maneira pejorativa
Arthur – é, que um dos males do brasil é o futebol que é uma máquina de ilusão...
Rafael – Futebol é um esporte, o problema é as pessoas não o futebol
>>> Como é ser referência pra bandas mais novas?
Rafael – Eu acho muito estranho. Outro dia veio uma molecada com 12 anos a menos do que eu me pedir autógrafo (risos) e eu falei pra cada um eles dar um autógrafo pra mim. Os caras falam ‘ah, você toca no Flicts’. E daí? Sei lá, monta a sua banda, estrutura, procura fugir do que já tem - - se for pra fazer o que todo mundo tá fazendo é melhor não fazer, porque sempre vai ter alguém pra fazer melhor do que você. Então, contribua pro crescimento da cena e do movimento do qual você faz parte. E não tem que ficar pedindo autógrafo pra mim. Ao mesmo tempo que é legal ter bandas que usem a gente como influência, dá medo. As pessoas acabam vendo a gente de um jeito que a gente não e dando a gente um status que a gente não tem.
>>> Mas e as bandas alemãs que gravaram vocês (Rasta Knast e Gee Strings)?
Rafael – é um lance de amizade, de banda pra banda. Como o Rasta Knast, os caras vieram pra cá, a gente acabou ficando amigo deles e rolou uma empatia... é coisa de amigo mesmo. é diferente de um moleque que nunca me viu na vida me pedir um autógrafo.
Arthur – Eu também acho estranho. é que as pessoas acabam tendo uma expectativa em relação a você e aí a banda pode seguir um caminho que não agrada muito.. daí começa todo mundo a apontar o dedo, chamar de traidor, essas coisas...
>>> Tem muita gente que considera vocês uma banda de Street Punk. O que é isso afinal?
Alemão - A gente nunca falou que é Street Punk. Algumas pessoas é que identificam a gente com isso. Pra mim Cock Sparrer é Punk Rock. Nós somos uma banda Punk.
Rafael - Eu comecei a conhecer melhor Cock Sparrer, Angelic Upstarts, Sham 69, Cockney Rejects em 1997. Antes eu tinha essa bandas como banda de careca e tal. E careca é uma coisa que absolutamente direitista. Eu nunca tive o menor interesse e por isso. Mas eu fui atrás da história do lance. Ai você descobre que o careca brasileiro e o skinhead europeu tem muitas diferenças. Melhor. São absolutamente diferentes. Lá existem grupos de skinhead de esquerda...skinhead gay...um monte de coisa que nunca existiu por aqui.
>>> Qual a diferença entre Oi! e Street Punk?
Rafael - Em tese, não há diferença. Oi! é um estilo musical. Mas, ideologicamente, aqui no Brasil, você não tem uma platéia de skinheads de esquerda, de skins tradicionais, e aí dá uma confusão danada. Com isso, o Street Punk acaba ficando queimado, porque Oi! não tem a ver com direita, fascismo e tal. A gente sempre reforça em toda entrevista em todo show: somos uma banda Punk.
Não nos preocupamos com o que neguinho vai achar do nosso som. Foda-se! Tá ligado? Se neguinho ouvir o que a gente tá falando nas letras e curtir o nosso som já está bom demais...
>>> Vocês não acham que na Europa seria mais tranquilo pra uma banda como o Flicts?
Rafael - Talvez. Mas aqui rola uma coisa que é meio diferente da Europa. No Brasil se exige uma postura da banda, não tem essa de “for fun”. Aliás, eu odeio esse lance de “for fun”. O Flicts tem um posicionamento político. Na Europa eu vi muita banda que não defende postura nenhuma, não tem responsabilidade sobre nada. Vi muita gente que vive só de seguro desemprego. Na minha cabeça isso não entra nem fudendo. No geral, me irrita ver banda que se diz Punk, mas não se posiciona quanto a nada.
Alemão - O Demente (Juventude Maldita) sempre fala. “é foda. Tem punk que se fode. Toma borrachada. é rejeitado por todos. Depois, vem uns malucos faturar em cima da batalha dos caras e dizer que é punk na hora de vender CD...de aparecer na MTV...”
>>> Inclusive, vocês vão pra Europa este ano, certo? O disco vai sair lá?
Rafael – O disco vai. A gente tá acabando a arte. A arte que vai sair na Alemanha é praticamente a mesma, mas as letras vão ter tradução pro inglês. Vai sair pela Rebel Records, de um cara que eu conheci na Alemanha, e a idéia é, se tudo der certo, fazer uma turnê em julho, mas se não rolar em julho em 2004 rola.
>>> E explica o lance com o St Pauli.
Rafael – A música “You will never walk alone” (que o Flicts toca em todos os shows e que estava no split com os Excluídos) é cantada por várias torcidas da Europa e dos times que cantam o St Pauli é o mais legal, porque St Pauli é um bairro de Hamburgo (Alemanha) onde convivem artistas, prostitutas, punks e junta toda uma galera um estilo de vida mais libertário. O time é da segunda divisão e uma porcaria, mas a galera do St Pauli é muito legal e a torcida é uma torcida libertária... E como a gente se identifica com essa proposta, a gente se identifica com o público do St Pauli. E a música vira meio que hino.
A letra é muito legal. Diz: continua com fé no coração e você nunca vai estar sozinho. Vai levando que as coisas rolam... é mais ou menos por aí.
>>> Bem agora eu queria que vocês me dissessem o seguinte:
- qual é a melhor cerveja?
- Rafael – Brasileira é a Serra Malte
-
Arthur – Gosto da Original e Guinness é muito boa
- qual é a melhor carne pra churrasco?
- Rafael – Picanha
- Caio – Não pode ter só uma coisa no churrasco
- qual é o melhor futebol?
- Todos - O brasileiro.
- qual é a melhor mulher?
- Rafael – A que você tiver na hora (risos). Não dá pra comparar, as bucetas são boas de maneiras diferentes... Não sou um especialista
- Caio – Tem que estar limpinha
- Rafael – Ou não... Eu tenho mais experiência com cerveja do que com mulher.
Links relacionados:
Site oficial:
www.bandaflicts.cjb.net
E-mail da banda:
flicts77@hotmail.com
FONTE: http://www.punknet.com.br/entrevistas/mostra_entrevistas.php?id_entrevistas=62